História
Um conto sobre o AlmaLusa Baixa/Chiado
por Miguel Baiena
O AlmaLusa Baixa/Chiado ocupa um edifício cuja história se entrelaça com a da cidade que habita. Esta construção, que outrora deu abrigo ao Arsenal de Lisboa, desempenhou um papel preponderante na história de Portugal. Ainda hoje, vestígios de um passado glorioso podem ser encontrados nos vários pisos. As lajes de pedra que ainda subsistem testemunharam visitas de reis e de reputados navegadores, cartógrafos e comandantes.
Mas mergulhemos um pouco na história de Lisboa e de Portugal para perceber a importância do edifício que acolhe hoje o AlmaLusa Baixa/Chiado.
Um contexto especial
Lisboa foi sempre vista como um local privilegiado para a fixação humana. Encontrando-se próxima do mar e do Tejo, proporcionava um leque variado de fontes alimentares, uma mais valia inegável para os que primeiro habitaram a região. São também o mar e o rio que vão, mais tarde, enquanto vias de comunicação, fazer com que Lisboa desempenhe um papel preponderante no contacto com outras civilizações.
A cidade nasceu na colina, onde se encontra o Castelo de São Jorge, tendo-se desenvolvido rapidamente na direção do rio. Assim surgiu uma zona urbana, que sempre foi estando ligada às atividades ribeirinha, portuária, comercial, industrial e artesanal.
Outrora conhecida como Olisipo, Lisboa foi dominada por vários povos, desde cartagineses a romanos, passando por suevos e visigodos. Lisboa era uma cidade densamente povoada, rica e forte. À beira mar plantada, era o porto de escala para o comércio entre o Mediterrâneo e o Ocidente da Europa, onde confluíam grande número de comerciantes e viajantes.
O espaço que conhecemos hoje como Praça do Município, Terreiro do Paço, Ruas do Ouro, Augusto e da Prata encontrava-se na altura invadido por água, que subia até ao Rossio e se difundia pela Mouraria até ao Arco do Marquês de Alegrete. A cidade e a quase totalidade das estruturas urbanas intramuralhas localizavam-se na margem esquerda deste esteiro. Foi com esta paisagem que D. Afonso Henriques se deparou em 1147, quando cercou Lisboa.
A descoberta da Índia
Com o Tratado de Tordesilhas, que dividiu o mundo entre Portugal e Espanha, D. João II garantiu o direito exclusivo da coroa portuguesa a navegar no mar oriental. Começou então a preparar-se uma expedição à India. Tendo D. João II falecido na fase de preparativos, D. Manuel, o seu sucessor, manteve o plano, tendo escolhido Vasco da Gama, um membro da pequena nobreza burocrática, para comandar a viagem marítima.
Chegados à Índia, os portugueses viram-se desde logo confrontados com um comércio dominado por negociantes mouros. Apesar de terem tentado a todo o custo impedir o comércio português, os mouros acabaram por ser derrotados pela superioridade dos navios portugueses e pelo uso de artilharia sofisticada. É neste momento que o pequeno Portugal se transforma numa das maiores potências navais e comerciais da Europa.
Assim nasce o Terreiro do Paço...
D. Manuel ordena a construção de um novo Paço à beira do rio. A corte aumenta rapidamente e surgem novas edificações, integradas num complexo arquitetónico que reúne uma série de valências: residencial áulico, naval, militar, comercial, administrativo e político.
A família real portuguesa, cuja residência em Lisboa era o Paço da Alcáçova, instala-se no novo Paço, onde passam a ter lugar os mais importantes banquetes e festividades da coroa portuguesa.
Diante do Paço é construído um vasto terreiro, pelo aterro da ribeira de valverde, que corre atualmente sob a Avenida da Liberdade e a Baixa de Lisboa. Ao centro deste terreiro – que passou a ser denominado de Terreiro do Paço - é erguido um chafariz, onde passaram a realizar-se a maior parte das cerimónias públicas de aclamação dos soberanos portugueses.
O Arsenal de Lisboa
O Arsenal de Lisboa ocupava um lugar de destaque entre os edifícios do Paço. Para apetrechar dezenas de embarcações com artilharia e a mais avançada tecnologia náutica era necessária uma estrutura única: o edifício tinha, por isso, uma dimensão descomunal. No Arsenal de Lisboa trabalhavam os melhores mestres e artífices do mundo. Era aqui que se armazenava o material bélico, mas também todo o tipo de objetos trazidos do Oriente. O Arsenal de Lisboa funcionava também como Universidade, para pesquisa, testagem e fabrico dos mais variados objetos bélicos.
O hotel AlmaLusa ocupa a ala poente daquele que era o Arsenal de Lisboa. D. Manuel calcorreou com frequência as lajes de pedra que ainda hoje se encontram preservadas no hotel, acompanhado por Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral, Duarte Pacheco Pereira e tantos outros ilustres da época.
O Princípio do Fim
Em 1580, logo após a batalha de Alcácer Quibir, o Duque de Alba entrou em Lisboa e apoderou-se de todo o armamento existente no Arsenal de Lisboa. Oito anos mais tarde, o Marquês de Santa Cruz decidiu que o pouco que restava do Arsenal serviria para equipar a “Invencível Armada”. Dois séculos e meio mais tarde, D. Maria I mandou derreter as restantes armaduras, para que o ferro fosse aproveitado na Basílica da Estrela, e cortar e vender as cotas de malha às donas de casa, para a limpeza de tachos de cobre.
E assim desapareceu o Arsenal de Lisboa... Perduram as memórias e vestígios, num hotel erguido sobre as suas ruínas: o AlmaLusa.